
Você pode até bater esse pé no chão, como fazia quando era criança contrariada. quando não ganhava seu doce, seu brinquedo, sua mesada. como quando abria seu pacote de presente e encontrava o que não tinha pedido. Você pode fazer manha, bico, beiço. Como quando o passeio era outro, a comida era outra, a música era outra e não a escolhida por você. Como quando a sobremesa colorida só vinha depois do prato todo verde. Chore. Esperneie. Berre. Você pode agarrar a barra da minha calça. Puxar minha camiseta. Você pode chorar rolando pelo tapete. Pode me xingar, ameaçar. Você pode reagir, me bater, tentar me matar. Pode quebrar as coisas da casa. Há dezenas de copos nos armários. Pratos de porcelana. Xícaras de cerâmica. Você pode encher este chão de cacos. Pode bater as portas na minha cara. Emburrar. Cruzar os braços. Você pode fazer qualquer coisa. Mas essa caneta eu não devolvo. Você não muda mais a minha vida. Quem escreve essa história aqui sou eu.
Não, não precisa se levantar, não. Você pode ouvir tudo isso aí mesmo, no sofá. E pode fechar também esse sorriso. Eu não estou de volta. Está ouvindo? Dirigi até aqui, passei pelo seu porteiro curioso, subi por esse seu elevador cheirando a mofo, pra lhe dizer exatamente que eu não estou de volta. Que você pode ficar com tudo. Com seu livros empilhados, com seus discos mal guardados, com suas plantas quase-mortas, por não serem mais regadas. Você pode ficar com tudo. Com esse seu vaso de flores amarelas de plástico, empoeiradas pelo que vem dessa janela sempre entreaberta. Pelo que vem com o cinza dessa cidade imunda. Fique com tudo. Com esse seu apartamento minúsculo. Com essa caixa de fósforos do décimo sexto andar. Não quero nada. E só achei que deveria saber que você pode ficar com tudo. Com os meus beijos e com os meus apertos, inclusive. Com os meus carinhos feitos quando eu, tolo, acreditava que você era o que eu andava precisando. Só achei que deveria saber que esta é a última vez que me viu por aquele olho-mágico da porta, antes de me espiar por ele, de costas, indo embora, de uma vez por todas, por aquele corredor com marcas de mãos pretas pelas paredes. Achei que precisava lhe avisar que não quero mais nada. Que você precisava saber que esta é a última vez que estou pisando nesse seu carpete desfiado. Olhando para todo esse caos, que um dia chegamos a chamar de paraíso. Não, não precisa se levantar, não. Você pode ouvir tudo isso aí, com essa bunda grudada no sofá. Eu só passei mesmo pra dizer que não quero nada de volta. Nem aqueles beijos todos. Poderia fazer com que cuspisse um por um, agora mesmo, de joelhos sobre o tapete. Mas eles não vão me fazer falta. E eu estou meio com pressa. Me desculpe, mas eu só passei por aqui realmente pra avisar que não, eu não estou de volta.
Eduardo Baszczyn